sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Co-construção do tratamento da EM


Fonte: Pinterest.com 

No campo da pesquisa científica, os estudos sobre Esclerose Múltipla (EM) desenvolvem-se sobretudo a partir de um olhar biomédico, em que se enfatiza a importância de compreender fisiologicamente as causas, o percurso e os possíveis tratamentos para a EM. 

As pesquisas no campo biomédico apresentam historicamente o que é chamado de visão positivista na ciência. Sob este olhar, entre outras coisas, há a doença enquanto alvo a ser considerado, havendo um tratamento racional e objetivo direcionado a essa doença, que provém sobretudo do conhecimento do profissional.

Se há a centralidade do olhar biomédico nos estudos sobre a EM, há em contrapartida a necessidade de compreender a EM de maneira co-construtivista, ou seja, a partir de um olhar em que se compreende o tratamento como construído ao longo do contato entre paciente-profissional, a partir também (e principalmente, na verdade) das próprias experiências dos pacientes, não centralizando a origem dos conhecimentos no assunto ao profissional em si. Essa importância à pesquisa construtivista e não verticalizada é uma forma de olhar a ciência; há quem discordará. Contudo, crescem os olhares concordantes na literatura científica. 

Em 2009, foi publicado um dos poucos estudos nas bases de dados científicos que é sobre a vivência da EM compreendida a partir de relatos de pessoas diagnosticadas (Fernandes, 2009). Os resultados de trabalhos assim ampliam o olhar do profissional em saúde, subsidia condutas mais humanizadas e também mais eficientes, justamente por considerar a vivência prática da doença. Ademais, podem ser uma fonte do sentimento de autocompreensão para pacientes. No estudo de Fernandes (2009), 8 pacientes com EM foram entrevistados, e a partir destas entrevistas sete temas centrais foram construídos, a fim de apresentarem os sentidos e significados atribuídos ao sofrimento com a EM por estes pacientes. Foram eles: “Sofrimento Físico”, “Sofrimento Psicológico”, “Sofrimento Sócio-relacional”, “Sofrimento Existencial”, “Experiências Positivas de Sofrimento”, “Estratégias de Adaptação” e “Expectativas Futuras”.

Os sofrimentos físicos (dor, desconforto, sensação de falta de vigor) atrelados às incertezas do diagnóstico e possíveis limitações de convivência, ou à exposição ao olhar do outro em momentos de cansaço, por exemplo, predispuseram, segundo os relatos, aos sofrimentos psicológicos e sócio-relacionais. Nestes últimos sofrimentos, pode haver a dificuldade do paciente em se reconhecer identitariamente, por exemplo porque as sensações físicas parecem limitar, segundo a visão das pessoas com EM entrevistadas, o fazer e o ser por inteiro.

Apesar das sensações de sofrimento, o autor apontou que as pessoas têm em si o potencial de contornar tais sofrimentos. As “Estratégias de adaptação” e as “Expectativas Futuras” apresentam justamente formas encontradas ou percebidas pelos entrevistados enquanto eficientes para sentirem-se encorajados a viverem com a EM. Entre estas estratégias e expectativas, os entrevistados citaram: viver um dia de cada vez; ser perseverante; ajudar a outras pessoas que apresentam a EM também; procurar distrações e atividades prazerosas; perceber-se em uma rede de apoio; ter uma experiência positiva do sofrimento, revalorizando a vida e seus momentos de felicidade (mesmo que aparentemente pequenos) e, por fim, decidir  finalizar projetos.

Escolhi a figura deste post, pois ela parece mostrar a pluralidade de olhares que cada ser humano tem, os quais construímos e utilizamos conforme o contexto e as relações em que estamos. Todos os olhares que você constrói e direciona para a EM são importantes na construção do tratamento.

É necessário enfatizar a importância do compartilhamento de saberes entre profissionais e pacientes, e pacientes entre pacientes, a fim da construção eficaz do tratamento da EM. Não se trata de você ir ao profissional da saúde, trata-se de você construir seu tratamento com o profissional da saúde. O que você sofre e o que você vive em felicidade são as bases do tratamento e da construção da sua qualidade de vida.

Fernanda Sabatini
Nutricionista
Mestre em Ciência pela Universidade de São Paulo-USP

Referências
Fernandes RD. Vivências de pessoas com esclerose múltipla [Dissertação]. Coimbra:Universidade de Coimbra. 2009.






Nutricionista graduada pela Universidade Federal de São Paulo. Membro do Grupo de pesquisa em alimentação e cultura (GPAC) e mestre em Ciência pela USP - Universidade de São Paulo.

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